domingo, 24 de julho de 2011

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João gesticula de modo a criar nas mentes mais fracas as imagens que tão dramaticamente descreve. Mais da metade dos alunos, contudo, mantêm-se impassíveis, frente às suas palavras.

Outras folhas – essas desenhadas – embora pululem também, dos mesmos cadernos, ainda que algumas chovam de baixo para cima de cadernos até então inanimados – como deveriam ser todos os cadernos -, tomam os contornos principais da sala, instituindo uma atmosfera apocalíptica na qual, por fim, algumas verdades absolutas serão estacadas no seio da humanidade.

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"Qualquer um de vocês poderia ser personagem de um romance; qualquer um de vocês poderia ser personagem neste romance".

sábado, 23 de julho de 2011

A história das coisas II

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Mesmo a sua única conta de e-mail. Essa guardava atualmente a incrível quantia de 8767 mensagens recebidas. Tinha a conta há seis anos. Mas admirava-se muitíssimo de ainda hoje, depois de tantas mensagens apagadas – algumas apagadas antes mesmo de serem lidas -, ter armazenado mais de oito mil e-mails. Se quisesse, com algum esforço – não muito -, poderia contar a história da sua vida inteira por aqueles e-mails - os recebidos e os enviados. Embora eles tivessem sido inventados, enviados, lidos e apagados no curto prazo, em perspectiva, de seis anos, certamente neles era possível ler a sua vida inteira.

“Se eu escrevesse a letra a nessa mesa, pensou, nela já estaria minha vida inteira?”

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sexta-feira, 22 de julho de 2011

“Andei por 50 000 palavras até encontrar tu, Eu!”
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Ainda faltavam quatro dias para aula. Seria no primeiro período da segunda-feira. Ainda era quinta. Digitou o título da aula no nome do arquivo do documento de texto. Ainda gastou longo tempo centralizando o título na folha virtualmente em branco, escolhendo a fonte, o tamanho dos caracteres. Com muito êxito, conseguiu evitar as consultas pasmódicas às suas redes sociais, à caixa de entrada da única conta de e-mail que mantinha. Imaginou-se um crítico – melhor... um opositor, a resistência – do sistema quando decidiu fechar o navegador de internet para melhor se concentrar na tarefa que tinha proposto para a noite da sua quinta-feira.

Contudo duas ou três das suas convenientes divisões de consciência acusavam-no de hipócrita por achar que apenas por querer ignorar por algumas horas o seu navegador de internet ele seria melhor do que todos aqueles que estariam confessamente empanturrando-se de vidas alheias.

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sábado, 9 de julho de 2011

Nos próximos sete dias, vou editar o texto abaixo. Ele está, muito aos poucos, nascendo da leitura da biografia da Clarice Lispector - "Clarice,", de Benjamin Moser. Todo o processo de escrita e reescrita do texto será diariamente registrado. Evidentemente as marcas da organização desaparecerão. No próximo sábado, sobrará apenas o texto, inteiramente escrito, razoavelmente pronto, e livre de qualquer marca metalinguística de sua produção. Vamos ver o que acontece!


Aula de Literatura

- Bom dia a todos! Meu nome é Clarice Lispector. - Mantém os olhos vidrados na turma, como quem já está consumido pelo tamanho da tarefa.

- Não sei se vocês já me conhecem... ...serei a professora titular de Língua Portuguesa de vocês. Darei aulas de Literatura. "É pouco, é muito pouco. Mas já é um pouco mais do que estava sendo."

Bem... antes das apresentações, "Besteira achar que conseguiríamos nos apresentar...", gostaria de falar um pouco sobre a impossibilidade desse curso.

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É o sinal? Devemos sair? - Todos parecem cansados com a necessidade de cruzar a porta...

Nos vemos.

Não é possível dar prosseguimento a ideia da construção do texto. Os primeiros preparativos já me dizem que esse texto não pode ter o formato cabível em um blog. Portanto, contra as minhas vontades, estou encerrando-o nas poucas linhas que escrevi para desenvolvê-lo em outra instância.

De toda forma, muitíssimo obrigado pelo interesse que vocês demonstraram por ele. Certamente vocês terão notícia dele!

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Enfim, só mais um de amor

- "Ela se matou por causa desse amor!" - disse a professora Elisabete, folheando um álbum de fotografias, junto com a inspetora Cláudia. No último dia de aula antes das férias, não se faz muito coisa mesmo, né...

Até aquela frase, o diálogo entre as duas não havia chamado a atenção de Maria Cecília. Ali, contudo, algo a transtornou: o que seria exatamente esse "AMOR". Seus quatro anos ainda não haviam esclarecido isso pra ela, muito embora fosse, aos olhos de muitos adultos que conhecia, uma criança prodígio.

Cecília, mesmo com a pouca idade, parecia saber já uma porção de coisas! Sabia que o estatuto da criança e do adolescente continha leis que protegiam a criança e o adolescente; já havia ido a Campinas, Bauru, São José dos Campos, Rio e Ribeirão Preto, Caconde...; tirava sons melodiosos da flauta doce; aprendera há muito tempo – talvez já há uns 15 meses – a como fazer bolinhos de chuva – a massa pelo menos...

Aquela situação, contudo, não lhe caiu muito bem. Percebeu, que, de fato, não sabia o que era o “AMOR”! Diabos!

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Cecília começou uma investigação profissional! Não perdeu de prestar atenção nos diálogos em que aquela palavra fosse referida novamente. Fosse com a mãe, com o pai; na quitanda, onde toda tarde ia comprar chocolate Surpresa, com os primos mais velhos... Era toda interesse para esclarecer logo o que era aquilo que havia feito, ao que tudo indica, pelo menos uma pessoa morrer...

Não perguntava diretamente sobre o assunto. Achava indigno não conseguir descobrir sozinha, apenas a partir das evidências que o mundo lhe dava. E como não soubesse ler, nem a dicionários, livros, revistas, jornais, internet poderia recorrer. Ela não sabia nem a forma do “AMOR”.

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Certo dia, na cozinha de sua casa, sua mãe conversava com a tia Tata, enquanto esperavam que o bolo de cenoura ficasse pronto. Dona Eliana leu alto o rodapé da capa de uma revista que estava ali por cima das coisas, há semanas:

- "Próxima novela das seis vai se chamar 'Amor aos pedaços', revela diretor"...
Cecília não perdeu tempo:

- Mãe, corta pra mim onde a senhora leu "AMOR"?

A mãe cortou cuidadosa, achando graça no pedido da filha. Não perguntou porquês, com medo de intimidar o interesse da menina.

Cecília tomou a palavra na mão. Ainda restava o pedaço da próxima palavra: “AMOR A”.
Então tinha nas mãos o “AMOR”. Ainda que não tão bem cortado, imperfeito... Ali estava. Sentia-o, liso, fresco, destacado do seu todo, mas, pensava, potencialmente grande, e eclético. Parecia bem simples: "A-M-O-R". Conseguia identificar que eram quatro letras. Olhou por algum tempo, muito menor do que o tempo que se demora para descrever a cena.

Caso resolvido!

Antes de passar para o próximo - uma curiosa pesquisa sobre a Hungria -, colou o pedaço de papel na agenda, no dia corrente... 07 de julho.

Foi com algum descuido que, ao tentar tirar o excesso de cola, rasgou parte da palavra.

- Ai... rasguei! - falou desolada.

Ficaram dois pedaços ligados por um pedacinho frágil de papel: “AM” e “OR A”.

Consertou como pôde, com fita adesiva. Ficou com medo de que houvesse represálias por parte de algum poder divino. Era sempre bom ter algum cuidado, né...

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Um dia, 50 anos depois, a professora aposentada Maria Cecília achou seus diários antigos, mexendo nas velharias em um quarto empoeirado. Morava no Jardim Bom Pastor, em Santo André, perto da grande São Paulo.

Seu primeiro "AMOR" ainda estava ali, evidentemente meio rasgado, guardado nas páginas do primeiro diário. Parecia envelhecido, junto com as páginas de todos aqueles dias de julho...

Lembrou que “Amor aos pedaços” não havia sido uma boa novela...

terça-feira, 5 de julho de 2011

Fim.

Lembro-me muito bem de como tudo isso começou. Eu tinha 14 anos. Era um sábado à tarde e nós finalmente havíamos conseguido reunir toda a nossa turma para irmos ao cinema. Eu ainda não seria um professor de literatura, nem gostaria tanto de rock, não viria morar em Campinas e muito provavelmente ainda não era um viciado em panetone. Era um leitor de ocasião. Da ocasião que a escola propunha. Um leitor do necessário; somente o necessário.

A tarde corria adolescentemente bem. Os flertes de sempre, a batata também, as piadas também. A sessão de cinema correu classicamente normal. Os amigos mais exaltados fizeram a guerra de pipocas; rolaram as conversas paralelas antes do filme começar. Depois, o filme começou.



Ponto final. Depois disso, acho que a história da minha vida foi reescrita naquelas poucas horas de filme. Foi uma espécie de reprogramação. Tentando outras interpretações, foi a definição oficial de qual seria - será - por muito tempo a minha contribuição pra mim mesmo e para o mundo.

Saí da sala de cinema impressionado, e previsivelmente quieto.

10 anos depois, agora, no próximo dia 15 de julho, ocorrerá o final simbólico dessa geração na qual tão honrrosamente nasci. Hoje eu não lembro mais a criança impressionada do pós filme. Com honestidade, mesmo as histórias de cada um dos livros estão um pouco desencontradas na memória.

No entanto, é uma obrigação eu destacar pra mim mesmo, e talvez, com certa pretensão, para as próximas gerações também, que o leitor que eu sou hoje foi, em grande parte, construído por cada uma das histórias da SAGA HARRY POTTER!

Conheci grandes pessoas através delas e vivi - não tenho dúvidas - grandes narrativas reais por conta das páginas de Harry Potter. Acho que esse fim terá um sabor muito aquém daquilo que todo o processo representou para os milhares de fãs da série, mas é um fim necessário para que tenhamos claro os contornos disso tudo! Ficam aqui, as minhas honestas palavras de agradecimento, sobretudo à autora, J.K. Rowling!


Nos vemos.