quinta-feira, 20 de outubro de 2011

[Sem título adequado]

A criança na mesa ao lado, ainda de colo, manteve-se observando a conversa o tempo todo. Nunca eu a acusaria de fofoqueira, bisbilhoteira; não mandaria que se virasse e respeitasse a nossa privacidade. Assim que ela chegou, acordamos - sem dizer palavras - que se aquela criança quisesse ouvir a nossa conversa, ela simplesmente poderia.

Acho que ela não quereria fazer nenhum tipo de comentário ao longo das nossas falas. Seria uma espécie de observadora privilegiada... Permitiríamos que ela analisasse nossas expressões, ora de desconforto, ora de espontaneidade... Ela não nos atrapalharia nem mesmo se jogasse de sua cadeirinha um de seus brinquedos de borracha no chão. Pacientemente eu me levantaria para apanhar o objeto e o entregaria com um sorriso de bom gosto nas mãos ainda trêmulas da criança.

Imaginei que talvez nesses momentos ela pudesse imperceptivelmente me chamar e me dar alguns conselhos - orientações de alguém que ainda não estivesse febrilmente viciada nas coisas da mundo -, para que errasse menos a posição das minhas mãos, o timbre da minha voz, a intensidade dos meus olhares.


Os brinquedos, contudo, não caíram. Tratava-se certamente de uma criança ainda mais educada e mais discreta do que sua aparência sugeria.

***

Seus pais resolveram ir embora. Não sabia da hora, mas achei que iam cedo. Ainda com uma última espiada, não consegui decidir se a expressão da criança era de satisfação ou tédio; se me aprovava ou reprovava. Saber seria importante pra mim. Uma espécie de alívio, ou de parâmetro para correção. Ela, contudo, mantinha as mesmas expressões da chegada: sempre sorridente, corporalmente agitada, e curiosíssima com os meus olhares. Sua pouca idade definitivamente abocanhavam a minha maturidade vacilante...

A criança se foi. A mesa provavelmente seria ocupada por algum casal de ocasião; e as atitudes e olhares dos dois, diriam muito menos do que as marotices da criança. Ainda agora sinto falta da criança.

Nos vemos.