segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Os meninos da rua Paulo

"As duas sentinelas perfilaram-se de lança erguida. Todos os demais juntaram os calcanhares e perfilaram-se também. Ninhuém falou. O luar fez brilhar as pontas prateadas das lanças. Só os passos de Memecsek ressoavam na ponte, cada vez mais surdos, à medida que se afastava. Depois, nem isto se ouvia mais: só um patinhar, como quando alguém caminha com os sapatos cheios de água... Nemecsek desapareceu".

Nas cinco horas de ônibus entre Campinas e São José do Rio Preto, nesse último domingo, li todas as páginas deste clássico de Ferenc Molnár. Minha experiência com a leitura foi sensacional. Já há um certo tempo estava desencantado com a literatura infanto-juvenil, por achá-la muito banal.

Para as crianças e adolescentes, na minha cabeça, restavam apenas os grandes autores: Monteiro Lobato, Robert Stencenson, Mark Twain e mais alguns poucos. Toda a produção contemporânea está escrita para um público que está muito longe das crianças e adolescentes que vejo nas salas de aula. Thomas Brezina surpreendentemente ainda acha que seus livros despertam algum interesse por uma geração que lê e relê as milhares de páginas da série "Crespúsculo".

Esse descompasso não se restringe apenas à literatura. Poderíamos extrapolá-lo para as relações entre pais e filhos também...

"Os meninos da rua Paulo", contudo, parece afirmar a existência de narrativas completamente ajustadas ao imaginário caótico do mundo adolescente. Nesta instigante narrativa, dois grupos inimigos disputam a soberania de terranos baldios. No lugar de simpllificações de caracteres ou cenários infaltimente pensados, o que há, no romance de Molnár, é a elaboração de uma narrativa que preserva a ética das relações humanas, mesmo na "guerra" ou no caos de uma sociedade que prioriza o ter ao ser.

Como disse uma das mais ilustres leitoras que conheço - e que, por sinal, me indicou a leitura do livro -, sentimos um aperto extremo quando o livro encaminha-se para o final, uma vez que a estada naquela Hungria descrita na obra mantém a convicção de um mundo pautado por combinados humanamente honrados.

Não é literatura feita para crianças, como a maior parte da produção contemporânea. Nem mesmo é uma produção contemporânea, uma vez que foi publicada em 1907. Mas certamente elas - as crianças, e também os adolescentes, e também os chatos dos adultos, e todos, e rápido... - devem lê-la, com uma certeza de que não se arrependerão...

Nos vemos.

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