sábado, 9 de abril de 2011

Realengo, 7 de abril de 2011

Caro senhor administrador da melancolia da vida das pessoas,

ela ignorou minhas mensagens de celular. Há dois dias, não trocamos palavras. Nem "oi", nem "tchau", nem "o que vai cair na prova de ciências?"... Minha tentativa de aproximação, não mais como um amigo, tornou-se uma bomba, que explodiu pra sempre qualquer naturalidade de contato, que pretendíamos manter.

Eu não pretendo seguir muito mais além daqui. Não que eu vá me suicidar, mas eu perdi completamente o ânimo de me tornar alguém para alguma coisa, para alguém... Pouco acreditava num futuro, na política; via com vergonha alheia os planos do país de fazer uma copa do mundo e uma olimpíada por aqui; tinha poucos amigos, porque acreditava o próximo como alguém fingido, fingindo. Se algum observador atento já tinha percebido meu ceticismo com relação à vida, vai se sensibilizar com a forma como meus dias vão passando...

Minha única esperança, ainda que ridícula, era a realização desse amor romântico. Era a fuga para um mundo adolescente do qual biologicamente ainda pertenço. Achava que ela poderia resgatar minha esperança, minha disposição para um amanhecer menos mórbido, mais luminoso. No entanto, quis o destino que "minha primeira amiga" me arrancasse de um mundo fantasioso, para me jogar no nonsense de uma realidade em cactos...

Vou rasgar isso aqui...

Coitado... o professor segue a explicação sobre foco narrativo. "As pessoas não prestam muita atenção na matéria, mas se a gente prestar atenção, vai perceber que as pessoas não prestam muita atenção em nada, na verdade... e eu não tô falando só da escola..." ... Sinal... bem, continuo a carta na próxima aula...

Carta que poderia ter sido achada entre o material de algum dos meninos mortos na escola de Realengo.

Nos vemos.

ps: os trechos entre aspas foram tirados de Dom Carmurro e do roteiro do primeiro episódio de Tudo que é sólido pode derreter.

6 comentários:

Milene disse...

Ah, deixa prá lá viu...

Leandra Marcondes disse...

Bom, não sei o que falar, voce me fez chorar novamente... bem, sim, essa carta poderia ter sido escrita sim, por algum deles.. e o mais triste, é que são vidas que foram perdidas, alegrias em corpos, futuros, sorrisos, que viraram apenas memória, e silêncio... um não ouvir mais a voz, um não ver mais.. apenas lembranças... e dor... e não e pode fazer nada contra tudo...
quanto aos trechos, bem que eu já tinha ouvido isso de um certo alguém, hauuahaua hein Alê! =D
sim... bem...
obrigada por mais um texto, mais uma maravilha...

Anônimo disse...

Agora a pouco você presenciava o fim do mundo e achava estranho. Estranho, não, que isso aconteça depois?

Ou talvez tenha mesmo acabado e isso seja apenas romantismo seu. Talvez cartas nem mesmo existam, Alê. Espero que não, sinceramente, mas me parece que não seria o caso de esperar. Por nada.

Alê Vieira disse...

Anônimo, estou realmente intrigado com a sua identidade... É um tipo bastante interessante de interlocução.

Os posts são absolutamente aleatórios. Na verdade, trata-se de uma tentativa de achar uma voz narrativa...

Anônimo disse...

Talvez sejamos dois anônimos diferentes. Talvez, não. Somos.

Uma pergunta: você ainda não achou uma voz narrativa, está experimentando várias ou essa aleatoriedade dos post é que te leva a isso, essa aleatoriedade de vozes?

Fernão Gomes disse...

Olá, Alê. Sem querer entrar na questão da aleatoriedade de vozes, gostaria de dizer que o texto é realmente interessante, especialmente por conter ao longo dele todo uma frequência emocional novelesca, o que, para o caso, é extremamente ajustado. Essa frequência emocional também é própria do gênero epistolar, confessional, mas esbarra, sem dúvida, como se vê, na captação de flagrantes do cotidiano: a crônica. Meus parabéns.
Do admirador e sempre seu leitor,

Fernão Gomes