terça-feira, 2 de novembro de 2010

Carta para minha namorada da década de 50 (do século XX)

Linda,

hoje eu te vi. Você estava passeando com a sua mãe pelo Jardim Botânico. Estavam você, sua mãe, mais duas moças que eu não conhecia. Você estava tão linda. Nem me fiz reparar. Eu vinha de uma corrida atrás de um papagaio.

Quando cheguei em casa, não consegui fazer outra coisa, senão pensar em você. Esta carta foi a solução que encontrei para não pensar tanto em você à toa.

Você me acha bobo? Se eu, por acaso, usar as próximas todas linhas para enumerar as qualidades que acho em você, você se cansaria de mim? Eu não sei exatamente qual é a medida literária para demonstração do meu amor. Caso você se canse, prefira rasgar a carta a terminá-la enjoada de mim. E, se inevitavelmente você se cansar de mim, não se tranque numa torre pra sempre. Siga com seus passeios matutinos, quando a luz do dia favorece sua beleza pueril; continue olhando a lua para que a noite projete suas sombras de mulher.

Nem sei mais o que fazer sem você. Não sou dado a exageros românticos, mas também nem ligo para as afetações do meu romantismo, se o fim primeiro e último é saturar meu sentimento insaturável (existe essa palavra?) por você.

Outro dia, o professor de artes propôs que desenhássemos uma rosa. Eu tinha duas folhas. Gastei a primeira escrevendo acidentalmente seu nome 1437 vezes. Na segunda, não consegui desenhar nada até o final da aula. Voltei pra casa com uma terceira folha; a da advertência dada pelo professor. No verso dessa, finalmente consegui desenhar algo; desenhei seu rosto.

Espero que quando você de ler esta carta, fique pensando em mim por muito tempo. Melhor: perca a noção do tempo. Até de mim já me perdi, pensando em você...

Espero que possamos conversar amanhã. Não que eu tenha muito o que falar. Mas é sempre bom te ouvir.

Um beijo carinhoso, do seu namorado.



O remetente dessa carta nunca chegou a entregá-la. Na verdade, ela nunca sequer existiu. Seu primeiro registro é este, que é virtual e portanto não existe.

Mesmo se a carta tivesse existido, nunca teria sido entregue. O autor dela certamente nunca teria nem conhecido a destinatária. Seria um amor, desses platônicos, para os quais se escrevem cartas que nunca se enviam...

Nos vemos.

ps: post motivado pelo filme "A felicidade suprema" (2010), de Arnaldo Jabor.

3 comentários:

* Leticia * disse...

Oi Ale!!
Tudo bom??
Sabe, eu sempre adoro seus textos e a criatividade que voce tem neles. Isso me conforta tanto. =)
Sei la, eu gosto desses textos, eu gostei desse aqui, eu acho que se Linda realmente existisse, ela nao iria se cansar de voce. =]
Mais eu gostei, eu me identifiquei muito com o texto e todos os meus "dramas", estes que nos metemos as vezes por sermos tao jovens! As vezes eu acho qpenas que nossos dramas existem porque teem que existir. Meus dramas me fazem bem, de alguma forma.
Eu gostei! Claro.
Se cuide Ale!!
Beijoss

Leandra Marcondes disse...

Oi AlÊ!
achei maravilhoso sua carta!
esplêndido!
Esse texto me lembra os romances romanticos! Tipo Helena, ou A Moreninha...
cComo a Letti disse, se a Linda existisse, ela seria muito feliz!
E não se cansaria de você!
=D
Eu acho que se eu escrevesse uma carta dessa, não teria coragem de mandar! hauhaua
Beijo Alê!
se cuida!

Fernão Gomes disse...

Sua carta é um exemplo de pós-modernidade epistolar ou epístola pós-moderna, como queira. Além de ser bem escrita, com a simulação adequada de lirismo, ela tem a intencionalidade revelada nos post-scriptum. Caso contrário, não haveria post-scriptum. A referência aos 1950 é outra releitura já estudada por F. Jameson. Parabéns, Alê. Ótimo trabalho.

"Nos vemos."

FG