terça-feira, 16 de julho de 2013

Uma ilha para passear

"Passeios na Ilha", do Drummond, foi publicado pela primeira vez em 1952. Eu li uma edição da Cosacnaify, de 2011. O livro me tomou logo na primeira página, no primeiro parágrafo:


Quando me acontecer alguma pecúnia, passante de um milhão de cruzeiros, compro uma ilha; não muito longe do litoral, que o litoral faz falta; nem tão perto, também, que de lá possa eu aspirar a fumaça e a graxa do porto. Minha ilha (e só de a imaginar já me considero seu habitante) ficará no justo ponto de latitude e longitude que, pondo-me a coberto dos ventos, sereias e pestes, nem me afaste demasiado dos homens nem me obrigue a praticá-los diuturnamente. Porque esta é a ciência e, direi, a arte do bem viver; uma fuga relativa, e uma não muito estouvada confraternização.
Ao longo das páginas da obra, o poeta vai falar das suas Minas Gerais, através de quadros impressionistas de Itabira e Ouro Preto; das injustiças que a classe média sofre nos discursos oficiais - e nos não oficiais também; e dos poetas cujas leituras são humanamente necessárias.

Para mim, contudo, esse primeiro parágrafo já guarda em si todo o conteúdo, e todos os sentimentos que Drummond sentia quando da época de sua publicação, e também o que sinto um pouco por viver nos tempos presentes. 

Não é exatamente a necessidade de fugir. Muito menos querer uma temporada de descanso, sossego. Trata-se muito mais da necessidade de me encontrar, ainda que seja numa ilha metafórica, para avaliar a existência. Também não se trata de uma avaliação sistemática, de ares depressivos. Preciso de serenidade suficiente para viver o belo da existência, no seu mais profundo sentido estético.

Nesse caso, importa-me, por exemplo, tanto o mais maravilhoso pôr do sol no parque, como o pranto de ansiedade quando se sabe o motivo para tal - ou, sobretudo -  quando não se sabe o motivo para tal. 

É, de fato, uma ilha metafórica. Para Drummond, nos seus "passeios", uma ilha de serenidade para que suportasse o pós-guerra. Para mim - nós -, uma ilha para que eu me suporte. Poder-se-ia talvez dizer uma ilha pré-guerra. Nela ainda receberia jornais, leria romances, assistiria a filmes comerciais, trabalharia, conversaria com meus amigos e os meus não-amigos. Mas teria exatamente na simultaneidade do meu viver a saúde suficiente para o próprio viver. 

"Passeios na ilha" deve ser lido. Eventualmente para que o transformemos quem sabe num livro de frases de auto-ajuda. Ou ainda para que tentemos compreender a importância do exercício de um poeta para adequadar-se ao seu próprio tempo.

Nos vemos.



Um comentário:

Leandra Marcondes disse...

Nossa! como me faz bem ler seus post, Ale!! Impressionante como esse texto me mostra um Ale diferente, porém melhorado!
Eu acho que todos nós precisamos de uma ilha. E... eu acho que em algum momento a encontramos! Para poder admirar um pôr-do-sol diferente, mesmo que seja igual ao do dia anterior; para poder ter mais serenidade e mais humanidade!
Obrigada, Ale!